GRAVE EQUÍVOCO DO STF NA QUESTÃO HOMOSSEXUAL

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– “Nós estamos ocupando o espaço do Congresso”, diz Lewandowsky –

Apontamentos sobre as Sessões de 4-5 de maio de 2011, quando o Supremo Tribunal Federal deliberou sobre a ADI 4277 e ADPF 132, que deliberou e aprovou a extensão de direitos aos homossexuais

Nas sessões de 4 e 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal deliberou sobre a ADIn 4277 e a ADPF 132, cujo relator foi o ministro Carlos Ayres Brito. No dia 5, pouco depois das 18 horas, com o voto do ministro Gilmar Mendes, foi reconhecida a união estável dos homossexuais, estendendo e equiparando os direitos legais aos dos casais heterossexuais, como pensões, aposentadorias, inclusão em planos de saúde, abrindo possibilidade, inclusive, para a adoção de filhos. Ao final da Sessão, o Presidente do STF, Cézar Peluso declarou a unanimidade do resultado. “Mais do que um projeto de vida aos nossos brasileiros, estamos oferecendo aos homossexuais um projeto de felicidade”, exclamou o ministro Luiz Fux. E acrescentou: “Aonde há sociedade, há direito; se ela evolui, o direito evolui!” É o tom que vem prevalecendo, para uma mudança que vem sendo imposta por forças econômicas e políticas, que visam a manutenção de uma lógica de poder cada vez mais inumana.

Foi com sentimento de impotência que acompanhamos mais esta deliberação da mais alta corte do País, num plenário esvaziado, com poucos presentes, quase ninguém da militância pró-vida que poderia estar tomando conta daqueles assentos, quem sabe até da praça em frente, que dá vista ao Palácio do Planalto, mas mais uma vez me veio a indagação: aonde está o povo de Deus, que é o povo da vida, para defender a sacralidade da família, primeira e principal instituição humana? Desde a campanha eleitoral de 2010, ficou cada vez mais evidente o quanto nós, cristãos católicos, somos hoje minoria, clamando como os discípulos de Emaús, a pedir para que Deus fique conosco, nesta hora em que intensificam as forças contra a família, e a dignidade da vida humana. E com isso vai avançando “a tendência para a tolerância própria do laicismo”1, como propôs Hans Kelsen, cuja ideologia vai corroendo as forças fundantes e vinculantes da coesão social, que a família é a base essencial.

Duro golpe contra a família

A decisão do STF foi um duro golpe contra a instituição familiar, cujo conceito – para os ministros – está mudando e há de mudar ainda mais; pois é preciso aceitar os novos modelos, integrar as novas situações, e garantir que o Estado dê proteção especialmente às minorias, assegurando os princípios constitucionais da liberdade individual, da igualdade e o da não-discriminação. O fato é que “o matrimônio parece agora já não ser mais um modelo, mas uma escolha como outra qualquer”2. Perdeu-se o sentido do matrimônio como escola de vida, que há uma pedagogia e um caminho para a vida, com exigências e deveres, que transcendem a concupiscência, e que eleva a pessoa à condição de sua autêntica realização, quando vivido em dimensão do serviço e do compromisso de uma efetiva complementaridade e solidariedade. Nesse sentido, homem e mulher se completam, fora disso, a pessoa é enredada nos escapismos do hedonismo e na armadilha daquelas ilusões sempre perdidas.

“A vida nem sempre é entendível!”, justificou-se a ministra Carmem Lúcia, relembrando o momento em que Riobaldo fica estupefato ao constatar que aquele quem ele desejava tão ardentemente não era homem: “Uivei. Diadorim era uma mulher. Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucuia, como eu solucei meu desespero. / O Senhor não repare. Demore, que eu conto. A vida da gente nunca tem termo real”3. E buscando na retórica poética do relativismo, a ministra argumentou que é preciso “aceitar a escolha individual”, pois a união homoafetiva “é um dado da realidade”. E sabemos que tal realidade é de índole anárquica, que se quer instaurar em nosso País, para cortar pela raiz a nossa seiva cristã.

Todos, em uníssono, afirmaram que tal realidade é um fato do pluralismo social, e deve ser encarada sem nenhum preconceito, por se tratar de uma “hermenêutica do sentido”, conforme exprimiu Gilmar Mendes. Na argumentação de todos os ministros que votaram a matéria, “impera a mentalidade do positivismo jurídico”4, além do relativismo cultural, que também se tornou um imperativo ideológico. Diante desse novo contexto, não há ordem natural: a família se liberta de qualquer baliza moral, e o que deveria proteger a pessoa por inteiro, passa a situar o ser humano na areia movediça dos enganos, que visa não edificar, mas destruir a identidade, a vocação e a essência da pessoa humana, portanto, da sua própria dignidade. Mas o ministro relator Ayres Brito, optou pela “equiparação dos direitos”, no contexto da “plurissignificatividade” (como destacou em seu voto), nivelando contra a própria natureza constitutiva da pessoa, em nome de uma felicidade que é apenas uma miragem do gozo efêmero da epiderme.


Ápice do conflito Estado e família, cultura e natureza

O direito de igualdade deve respeitar o ser humano como pessoa, e não reduzi-lo ao jogo fortuito de uma liberdade que não quer o bem da pessoa, mas conduzi-la a um labirinto de seduções, que a fazem se equivocar sobre quem realmente ela é como ser pessoal. “A consciência é a verdadeira norma do agir”5, daí que os ministros decidiram o que a maioria do povo brasileiro reprova, em seu íntimo, por isso os defensores da desconstrução do conceito de família tem sofrido derrotas no campo legislativo, e se refugiaram nas togas dos magistrados, no atalho mais fácil para atingir e corroer uma moral civilizacional, a partir de decisões de quem não têm a delegação legítima da representatividade.

Voltamos então à tragédia de Antígona e Creonte (onde vemos “as leis eternas da piedade contra as usurpações do Estado” 6: o conflito entre estado e família, entre cultura e natureza. Sófocles intuiu, já no séc. V a.C., de que o Estado fracassa, depois de dolorosas situações, quando se torna obstáculo à família e deixa de ser o seu autêntico promotor. Com a decisão do STF, vimos repetir o Estado agindo como outrora, com “orgulho prometéico”7, e sempre acenando com a panacéia de “um projeto de felicidade”, como salientou Luiz Fux.

Chegamos hoje no ápice deste conflito, e com um aparato de poder (tecnológico, político, econômico e midiático) que intensificam uma revolução contra a família, minando cada vez mais o suporte da pessoa humana.“Distingue-se então o fenômeno biológico da sexualidade das suas expressões históricas, às quais se chama gênero, mas a revolução que se quer provocar contra toda a forma histórica da sexualidade conduz a uma revolução que também é contra as condições biológicas; já não pode haver dados naturais; o homem deve poder moldar-se arbitrariamente, deve ser livre de todos os condicionalismos do seu ser”8Depois de se insurgir contra todas as formas de organização social surgidas para proteger e desenvolver a pessoa, os ideólogos do anarco-individualismo se voltam agora, com força total, contra aquela que até então tem sido a mais sólida das instituições humanas: a família. E os ministros do STF, seduzidos por este canto de sereia, cegaram-se todos a esta realidade (de frenesi dionisíaco, daquela “possessão que não é comunhão”9, pois Dioniso “desencaminha e desconcerta”10e ninguém terá como prever sobre o que poderá acontecer, daqui para a frente, a que espécie de precipício poderemos “descarrilhar”, a partir destas e outras decisões judiciárias. Nesse sentido, tais decisões estão todas conforme os objetivos do PNDH3, em nosso País, que está, ítem por ítem, sendo cumprido, sem que as pessoas se dêem conta do que vem ocorrendo.

Anseio pela liberdade absoluta

Quem mais discorreu sobre a problemática da família, foi o ministro Ricardo Lewandowski, dizendo ser necessário “desvendar o conceito jurídico de família”, reconhecendo a homoafetividade como “outra forma de entidade familiar”, sendo família, portanto. É preciso haver, por isso, “acolhimento e reconhecimento” – disse ele – , julgando a decisão do STF “um coroamento de um processo histórico”.

Gilmar Mendes destacou “o direito da minoria” como um “etos fundamental”, chegando inclusive a dizer que a presidente Dilma Roussef foi vítima de “um preconceito da parcela significativa da sociedade”, que a acuou na campanha eleitoral de 2010, forçando-a fazer declarações contraditórias, por que colocaram na pauta da campanha, temas espinhosos. E defendeu “o direito de autodesenvolvimento da personalidade e o exercício da liberdade”. E ainda foi mais enfático, afirmando que é preciso que haja “um modelo institucional que permita esta escolha (da homoafetividade) e o direito de igualdade”, para que haja a tão desejada equiparação de direitos. Lembrou a emenda do divórcio, capitaneada pelo então senador Nelson Carneiro, em 1977, como uma “emenda de libertação”(“um anseio pela liberdade absoluta”11), completando, no entanto, que “não são fáceis os problemas desta opção!”

Mais do que reconhecer tais direitos, ficou implícito na fala de todos, não apenas a aceitação desta nova entidade familiar, mas para alguns soou uma quase apologia, fazendo coro ao que a mídia já vem fazendo, há tempos. O ministro Gilmar Mendes foi quem decidiu a questão, quando se chegou ao sexto voto favorável ao reconhecimento da união estável dos homossexuais, salientando, porém, que tal decisão implicaria em “um sério risco de descarrilharmos” em situações e desdobramentos imprevisíveis, preocupação esta também manifestada por outros ministros, inclusive o próprio relator, Ayres Brito.

A perversão do sistema representativo

O momento significativo de mais esta Sessão julgada histórica pelos ministros do STF, foi quando Ricardo Lewandowski chamou a atenção ao fato de que aquela decisão unânime explicitava a perigosa tendência do Supremo Tribunal Federal em passar a legislar. Nesse sentido, ele mesmo foi categórico em assumir o fato: “Nós estamos ocupando o espaço do Congresso!”, admitindo, com isso, a possibilidade de estarem exorbitando as funções do Poder Legislativo, agravando ainda mais “a perversão do sistema representativo”, conforme disse em sua poltrona confortável.

O fato é que os promotores deste mais intenso ataque contra a família, no Brasil, não têm conseguido aprovar leis permissivas pela via legislativa, daí a estratégia de implantar o ideário do PNDH3 pela via judiciária, inclusive a gradual legalização do aborto, iniciando com a deliberação da ADPF 54 (que visa aprovar o aborto em casos de anencefalia), cuja sessão também histórica poderá ocorrer a qualquer momento.

Com isso o Legislativo vai perdendo força, e se tornando apenas uma perfumaria no sistema perverso de uma democracia que apenas funciona como retórica.

É certo que “a lei humana não faz tudo!”12 e que continuaremos defendendo a família e a dignidade da pessoa humana, na coerência de vida, no difícil cotidiano, nas coisas simples do dia-a-dia. Continuaremos a afirmar a beleza do matrimônio, o valor da fidelidade, e o desafio da família como escola de vida. Família monogâmica e heterossexual, porque é um dado antropológico que este modelo foi capaz de civilizar e humanizar. Um estudo mais profundo da pré-história atesta que enquanto prevaleceu promiscuidade sexual e homossexualidade, houve dispersão de recursos e nomadismo, e que a descoberta mais relevante, que favoreceu outras também importantes, como da utilização do fogo, da agricultura e da escrita, foi a da família monogâmica e heterossexual. A decisão do STF, portanto, foi contra a civilização humana, um retrocesso histórico, de “desdobramentos imprevisíveis”, conforme a própria intuição dos ministros.

Relações mais vulneráveis, porque agridem a própria natureza humana

Uma destas conseqüências inevitáveis de ataque tão contundente contra a família é certamente o aumento da violência, como temos visto ultimamente. Os fatos comprovam que o número de separações entre casais homossexuais superam, em muito, à dos casais heterossexuais; e o grau de violência no fim destas relações, é muito maior. O que temos visto são pessoas destruídas, com relações não permanentes, e depois da separação, acabam na solidão e em total desamparo, ainda mais se forem pobres. Não se trata de preconceito ou de discriminação. É “um dado da realidade”: as relações são mais vulneráveis e susceptíveis a mais conflitos, cujos fatos refutam, portanto, ao sofisma de Luiz Fux: não se trata de um “projeto de felicidade”, mas de thélksis, “o encantamento (…) um elemento perigoso (…) capaz de transtornar inteligência e coração”13, que leva a pessoa a “um domínio ermo, estéril e carente de geração”14, a “um mundo ctônio”15, que é “uma espécie de escapismo”16, onde levam “uma existência ambivalente e ambígüa”17, por isso “pode ser acometido de anoia (loucura)”18 e, portanto, não fazer feliz que assume tal caminho.

Ao término da Sessão, mais uma vez, ficou evidente estarmos na contramão de uma ideologia que quer escravizar o ser humano a um modo de vida que contradiz a sua própria natureza; mesmo assim, levando em conta a experiência histórica, sabemos que contradizer tal equívoco dos ministros do STF, é fazer história, apesar de sermos cada vez mais uma minoria que continuará trabalhando na defesa da família e da dignidade da vida humana, para o bem de toda pessoa.

Bibliografia:

Bibliografia:

  1. Valerio Zanone, Dicionário de Política (org. por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino), Laicismo, p. 673; Editora Universidade de Brasília, Vol. 2, 4ª edição
  2. Alfonso Cardeal López Trujillo, Família e Privatização, Léxicon – termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, Pontifício Conselho para a Família, p. 403; Edições CNBB, 2007

  3. João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, p. 560, Editora Nova fronteira, 18ª edição, 1985.

  4. Alfonso Cardeal López Trujillo, Prefácio, Léxicon – termos ambíguos e discutidos sobre família, vida e questões éticas, Pontifício Conselho para a Família, p. 5; Edições CNBB, 2007

  5. Paulo Cezar da Silva, A Ética Personalista de Karol Wojtila – Ética sexual e problemas contemporâneos, p. 28, Editora Santuário/UNISAL – Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2001.

  6. Werner Jaeger, Paidéia – A formação do Homem Grego – O homem trágico de Sófocles; p. 331, Ed. Martins Fontes, 1995.

  7. Werner Jaeger, Paidéia – A formação do Homem Grego – O homem trágico de Sófocles; p. 330, Ed. Martins Fontes, 1995.

  8. Joseph Ratzinger, O Sal da Terra – O Cristianismo e a Igreja Católica no Limiar do Terceiro Milênio – Um Diálogo com Peter Seewald , p. 108, Ed. Imago, 1997.

  9. Jean-Pierre Vernant, Mito e Pensamento entre os Gregos, p. 280, Difusão Européia do Livro/Editora da Universidade de São Paulo, 1973.

  10. Jean-Pierre Vernant, Mito e Pensamento entre os Gregos, p. 280, Difusão Européia do Livro/Editora da Universidade de São Paulo, 1973.

  11. Gian Maria Bravo, Dicionário de Política (org. por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino), Anarquismo, p. 23; Editora Universidade de Brasília, Vol. 1, 4ª edição.

  12. Santo Agostinho, O Livre-Arbítrio, p. 39, Ed. Paulus, 1995.

  13. Junito de Souza Brandão, Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega – Volume I, Eros, p. 358, Ed. Vozes, 1991.

  14. Junito de Souza Brandão, Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega – Volume I, Escatalogia, p. 363, Ed. Vozes, 1991.

  15. Junito de Souza Brandão, Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega – Volume I, Escatalogia, p. 364, Ed. Vozes, 1991.

  16. Junito de Souza Brandão, Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega – Volume I, Escatalogia, p. 364, Ed. Vozes, 1991.

  17. Junito de Souza Brandão, Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega – Volume I, Escatalogia, p. 371, Ed. Vozes, 1991.

  18. Junito de Souza Brandão, Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega – Volume I, Erínias, p. 353, Ed. Vozes, 1991.

MONOGRAFIA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM BIOÉTICA: Um silêncio de morte sobre o início da vida

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Dr. Cláudio Fonteles (propositor da ADIN 3510), Jaime Ferreira Lopes (Vice-Presidente do Movimento Nacional pela Cidadania Brasil Sem Aborto, Deputado Federal Miguel Martini (PHS-MG) e Prof. Hermes Rodrigues Nery, Coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté, em 27 de maio de 2008, durante audiência pública na Câmara dos Deputados (Brasília), sobre a ADIN 3510

“Um silêncio de morte sobre o início da vida” é o título da monografia do Prof. Hermes Rodrigues Nery, feita como conclusão da pós-graduação em bioética, na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), curso promovido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Pontifícia Academia para a Vida – 28 de janeiro de 2011.

Trata-se de uma breve reflexão sobre o voto do ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizando o uso de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa científica e terapia no Brasil.

Para fazer o download do documento clique aqui.

DISCURSO DE DESPEDIDA DA PRESIDÊNCIA DA CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO BENTO DO SAPUCAÍ

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“VALEU A PENA? TUDO VALE A PENA, SE A ALMA NÃO É PEQUENA!”

Discurso de Despedida da Presidência da Câmara Municipalde São Bento do Sapucaí – 23 de dezembro de 2010

VER. HERMES RODRIGUES NERY

Prezados colegas vereadores,Caríssimos munícipes presentes, “Quanto mais fores elevado, mais te humilharás em tudo” (Eclesiástico 3, 20) Chegamos ao final do mandato de Presidente da Câmara Municipal. “A esperança promete tanto, mas quão pouco a vida concede!” E.S. 269. Mesmo assim labutamos, até o último grão de areia da ampulheta, confiante em Deus, sempre providente. Agora, o mandato passou, já é história e memória. “Importante não é a herança do passado, e sim o que fazemos com ela, na direção do futuro” (Kujawski, 40). Confesso o meu cansaço e a minha tristeza por esta experiência que me fez conhecer tão por dentro e tão profundamente a lógica do poder deste mundo, que hoje posso dizer com mais convicção o quanto abomino esta lógica em que prevalecem interesses apenas, e não dá o mínimo espaço para a gratuidade, a amizade, a leveza da alma, a verdade, a bondade, a gratidão, enfim, aos caros valores cristãos. Mais uma vez a história confirma o que Jesus disse a Pilatos: “O meu Reino não é deste mundo”. São Bento do Sapucaí continuará “aninhado entre as montanhas”1, a dormir “em solidão, sob o êxtase dos píncaros de um azull turvo?”2, a jazer “sob o luar que esplende. As estrelas, que morreram, ressuscitadas todas, numa difusão de brilhos vivos – pirilampos do infinito – (que) porfiam-se em tremelicar umas mais que as outras?3 (E.S. 351)Ainda penso que seja possível vislumbrar o horizonte das possibilidades, mas como custa crer que seja tão difícil o futuro esplendente que tanto desejamos, e que começamos aqui a edificar, mas somente o alcançaremos plenamente na eternidade.  Desde o primeiro dia em que cheguei ao gabinete da Presidência, senti claramente a impotência e a fragilidade da nova condição, primeiramente pela celeridade do tempo, que urgia, como a areia da ampulheta a cair muito rápido. Eu tinha pouquíssimo tempo para o muito a fazer. O mandato tinha que ser propositivo, para além de queixas e ceticismo, alargado pela generosidade e o afã de acertar o passo especialmente na lisura administrativa e na ética de uma gestão pública exemplar. Uma gestão que quis ser generosa, em meio a tantas mesquinharias e muitas maldades, invejas e pequenezes, e perigos incontáveis, e uma opressão sem tamanho, e a lógica de poder do mandonismo local exercida pelo Executivo Municipal, em que resisti de todas as formas ser subjugado, até a capitulação deste Legislativo, na última Sessão Ordinária, na tristíssima deliberação sobre o orçamento de 2011. Para enfrentar os tantos obstáculos existentes e fazer vencer tantos desafios, adotei desde o início a política da não-violência ensinada por Gandhi: não se combate a violência, com violência; não se enfrenta o mal, com o mal, mas com a benevolência lúcida, não ingênua, mas íntegra; e aquela disposição de não esgotar a paciência para não acirrar os conflitos e realmente promover a paz. Uma paz que brote da justiça, mesmo quando injustiçado, uma paz que quer o bem, mesmo a quem nos fez o mal, uma paz que busca afeição a todos, pois não sou juiz de quem quer que seja, e o quanto tive que exercitar a máxima de Jesus Cristo, como um empenho de caridade:  “Amai os vossos inimigos!”
Foi uma experiência e tanto!
Eu precisava deste rasgão na carne para saber exatamente o que é a lógica do poder, quando propus, desde o início, a dimensão do serviço. O que pareceu fraqueza, foi um esforço de valor espiritual. Tive que aprender a mais compreender do que ser compreendido, mais dar do que receber, e perseverar nos bons propósitos. Não foi fácil, pois aonde a criatividade e a benevolência, aonde a boa iniciativa quer fazer vigorar a vida, vivemos o que o poeta lusitano expressou em seu verso célebre:

“  Quem quer passar além do BojadorTem que passar além da dor.Deus ao mar o perigo e o abismo deu,Mas nele é que espelhou o céu”.

Os que acompanharam mais de perto a epopéia desta gestão, e com quem pude compartilhar em confidência autêntica, viu claramente com que sinceridade me imbui do melhor de mim, impulsionado pelo melhor das minhas tão poucas forças, para o bem desta Instituição, que a presidi com seriedade e dedicação, dinamismo e entusiasmo, e com trabalho em expediente integral, apresentando primeiramente o projeto para criar um ambiente favorável ao trabalho legislativo (com acomodações adequadas, tanto para os funcionários, quanto para os colegas edis e também para receber a população que aqui aflui cotidianamente), para depois afirmar esta Casa de elaboração de leis, também num espaço de formação e capacitação, numa Escola Política, de gestão pública, para formar cidadãos que queiram investir seu tempo também em estudos que permitam serem legisladores cada vez mais melhor preparados. Tudo isto apresentei do modo mais transparente e aberto, mesmo tendo sido vítima das mesquinharias mais ignominiosas, das omissões e do descaso, e dos que torceram e trabalharam contra, até abortarem todas as chances do projeto vir a lume, quando o Executivo, pouco a pouco, em estratégia de aguda ardilosidade, foi cerceando as possibilidades, e minando lentamente a autonomia deste Legislativo, na votação forçada pelo corte do orçamento. Mesmo assim, lutei com todas as forças, pedindo a Deus sabedoria e prudência, e uma ousadia que não fosse intempestividade, a iniciativa que não comprometesse a estabilidade, e aonde se esperava erguer o plenário mais de acordo com a Escola Política que se desejou instituir, não deixei que o mato crescesse, mas encontrei a solução simples, de pouco recurso, de transformar o terreno deteriorado, num jardim de flores multicores, a indicar que a bondade e a beleza podem estar presentes, mesmo aonde tanto se quer negar o dom da vida. Todos sabem que não desisti, e trabalhei até hoje, nesta última Sessão, para por em prática cada iniciativa, visando o bem de todos.

“pois a vontade que não retrocede,é como o fogo que ressurge ardentea cada vez que a ventania o impede” (Paraíso, Dante Aleghieri, p. 325)

Buscando fazer o que é certo (do ponto de vista moral, pois na linha de pensamento de Aristóteles associo a política à moral), tive de aprender (e como isso foi tão difícil) a lidar com quem não tem boa fé, com quem é astuto, com quem tem os lábios doces, mas o coração a urdir ciladas, com quem quis lançar-me à cova, de modo tão implacável. Mas São Miguel Arcanjo protegeu-me, sem dúvida! São Miguel, defensor da vida, cuja imagem permaneceu todos os dias na minha mesa de trabalho, juntamente com a ampulheta de areia azul turquesa, a lembrar a provisoriedade da minha função diretiva nestes dois anos de intenso labor.

“Eu reconheço que tudo podes e que nenhum dos teus projetos fica sem realização!” (Jo 42, )

São as palavras de Jó que reconhece em Deus a força de todo o poder, e é n’Ele quem confio plenamente a realização de todo bom empreendimento. Dou graças a Deus por ter conseguido também com esforço incomum, cumprir com o principal objetivo deste mandato como Presidente: a promulgação da reforma da Lei Orgânica do Município (compromisso de campanha cumprido), que tornou São Bento do Sapucaí, no campo legislativo o primeiro a reconhecer em lei o direito à vida como o principal de todos os direitos humanos, desde a fecundação até a morte natural. Com isso, posso afirmar com alegria que sou hoje um legislador defensor da vida e da família, a primeira e principal das instituições humanas. Um legislador realmente comprometido com o humanismo integral, que coloca a dignidade da pessoa humana como prioridade, pois o valor humano tem primazia sobre a eficácia técnica, pois a lei existe para proteger a vida humana aonde ela está mais fragilizada e até ameaçada, porque temos o dever de trabalhar para atender as necessidades materiais e imateriais do povo, especialmente aquelas que asseguram tornar a vida das pessoas, e seus relacionamentos, sempre cada vez mais humanos e dignos. A presença do bispo da Diocese de Taubaté na sessão solene de promulgação da lei orgânica, no momento em que juntamente com a comissão especial apresentamos a nova legislação na sacada principal deste edifício, foi o momento culminante da gestão que ora se encerra: proposta principal do mandato cumprida, para dar credibilidade à vocação e à missão de evangelizar também no difícil campo político.

“Ó Deus, minha parte na herança e minha taça, meu destino está em tuas mãos” (Sl 16, 5)

Nem tudo sonhado e trabalhado infatigavelmente foi concretizado. Muita semente lançada ficou em meio aos espinhos, e também em terra desértica, em meio a corações de pedra, e secadas pela inveja. De todos os pecados capitais, este foi o que mais corroeu muito dos melhores propósitos, apesar de ter sido bem sucedido, no principal de todos, porque foquei, priorizei, e não descuidei (inclusive da oração) pois, as vitórias obtidas só foram por meio da ação de Deus, Todo-Poderoso, como graça salvífica.Certamente outras sementes se encontram fecundadas na terra. Quem sabe a seu tempo venham à luz do dia, dar seus bons frutos.Dos compromissos de campanha, de dez pontos, sete foram cumpridos. E muito mais, além da obrigação, pois fiz desta gestão, realmente movido por idealismo, de mandato integral, estando aqui de manhã, à tarde e muitas vezes à noite, buscando meios de otimizar a atividade legislativa, valorizando esta Casa também como espaço de formação, daí a realização de tantos cursos, encontros, reuniões, audiências públicas, debates, tribuna livre, enfim, todas as formas que pudessem propiciar um melhor intercâmbio de idéias e propostas, para decisões mais acertadas e sempre colegiadas. Daí que adquirimos livros para uma biblioteca jurídica, que possa oferecer subsídios aos vereadores, especialmente às assessorias técnicas, para a elaboração de leis com sólida fundamentação. Também a recuperação das atas antigas, desde 1858, viabilizou assegurar em nosso arquivo, documentos importantes que servirão de referência para uma história do Município de São Bento do Sapucaí, tendo eu alinhavado uma “história das origens do Município”, a partir do contato com tais documentos, que foram transcritos por paleógrafos da mais alta competência. Procuramos tratar cada vereador com o respeito que lhe é devido, seja da situação ou da oposição, pois desde o início tive muito claro o dever de legislar com discernimento. Adquirimos computadores para cada vereador, buscando atender em suas demandas diárias, com a equidade que se faz necessária no atendimento do que foi solicitado, dentro das possibilidades. Também a população que aqui afluiu neste período, buscando orientar, encaminhar, dar esclarecimentos e informações que pudessem auxiliar no atendimento de suas necessidades. Também valorizamos a cultura local, primeiramente cumprindo o compromisso de campanha de viabilizar a aprovação do Fundo Municipal de Cultura, e ainda trazendo, dentro do possível, artistas, poetas, compositores e músicos que pudessem apresentar seus trabalhos sempre no início das sessões ordinárias. Foram três Sessões Solenes, uma delas inesquecível no bairro do Quilombo, a primeira sessão solene itinerante, e depois neste ano, tivemos outra sessão itinerante no bairro do Cantagalo.Tudo fizemos para aproximar a população das tomadas de decisão, quando projetos controversos deram entrada nesta Casa de Leis, chamamos o segmento da sociedade para conversar, seja em nosso gabinete, ou mesmo em audiências públicas.  Trabalhamos nesse sentido, por um mandato inteiramente transparente, aberto, democrático e participativo, apesar de sombras tão espessas do obscurantismo.   De tudo o que foi proposto, restou-me apenas um jardim como esperança de aconchego, cujo pergolado ainda aguarda robustecer a primavera, e quem sabe os passarinhos virem fazer ninhos e cantar suave nas manhãs azuis destas montanhas tão reconfortantes, pois eu não saberia mais como suportar os dias se não fosse a vista destas montanhas, e os ipês amarelos a despontar na paisagem como jóias vivas da natureza, aqui tão exuberante!

“Ponde fim à malícia dos ímpios e sustentai o direito, ó Deus de justiça, que sondais os corações e os rins” (Sl 7,10)

Vós sabeis, ó Deus, com que verdade de sentimentos, com que sinceridade trabalhei todos estes dias, a enfrentar tantos dissabores, e com cuidado milimétrico para não cair no precipício, porque os ímpios realmente não tiveram piedade e humanidade, quando muitas luzes poderiam avivar ainda mais as melhores possibilidades, visando o bem de todos. E então, mesmo em ousadias tantas, dentro da legalidade e da legitimidade, procurei não descuidar da prudência (tendo a oração de Salomão no coração, a rogar por sabedoria), e me posicionei contra a opressão (foram três mandados de segurança contra o Executivo Municipal), e quando foi votado o orçamento, tinha sobre mim a ameaça de um litígio judicial “até o quinto dos infernos”, a comprometer a obrigação primária. Então, para assegurar a aprovação das contas, tive de optar pela prudência, pois os inimigos queriam que eu fosse intempestivo, mas consegui (certamente por uma proteção divina) estancar o litígio, e fazer o que os Salmos recomendam (“dentro das possibilidades”), sem me calar diante da opressão, pois “quem aceita a opressão, nela consente!” (Dante, 325). Tudo está registrado nas atas, para que se compreenda de que modo estamos ainda muito longe da democracia, de que o direito existe para os fortes, de que os fracos continuam sendo oprimidos, e de que os guardiães da lei ficam sempre ao lado dos mais poderosos. Tudo isso ensinou-me que enquanto o forte (com astúcia e marketing) continuar oprimindo os fracos, enquanto a lei continuar não sendo cumprida, a democracia será apenas uma falácia, uma retórica, um embuste! Quando me disseram que aqui não haveria espaço para a amizade, pensei que fosse ser capaz de um liame afetivo que pudesse suscitar aquele “fazer algo juntos”, para o bem de todos. Mas me vi como a personagem de Balzac, nas Ilusões Perdidas: “Enquanto um homem estiver no Ministério, aplaudem-no; caído, ajudem a arrastá-lo para o lixo!” “Como estamos todos na realidade presos pelas potências que de um modo anônimo nos manipulam” (JN, Bento XVI, 35), não podemos mesmo por todas as esperanças no poder deste mundo,  pois “a história não pode ser regulada longe de Deus por estruturas simplesmente materiais” (Bento XVI, 45). Daí que o que nos sustentam e nos dá alegria de ver os bons propósitos se realizarem, é que, muitas vezes, os sucessos no mundo podem iludir e até nos afastar do projeto primevo, daquele que é o projeto verdadeiro, querido por Deus, com a participação do nosso trabalho. Nesse sentido, quando buscamos afirmar realmente os valores das bem-aventuranças, é então a convicção de que temos de que estamos ajudando a construir o projeto de Deus, que um dia chegará a ser realidade, com vida plena, e que nós, aqui, com o nosso trabalho deficiente, mas benevolente, almejamos participar, em Deus. Por isso, “quem segue a vontade de Deus sabe que nunca deixará de ter a sua proteção ante todo e qualquer horror com que se confronta… Sabe que o fundamento do mundo é o amor e mesmo aí, onde ninguém pode ou quer ajuda-lo, pode continuar a confiar Naquele que o ama” (Bento XVI, 49).  De tudo o que foi vivido nestes dois anos, ficaram muitos ensinamentos, talvez o mais importante que aqui destaco: Vida e amor são a mesma realidade. Aonde falta o amor, a vida carece de sentido, fica diminuída, chega até a morrer. É o amor que vivifica tudo, que salva o que se encontra em perigo, que propicia a vida mesma como milagre. Mesmo que planejamemos tudo tecnicamente, a vida é feita do imponderável. “Só Deus tem nas suas mãos os cordelinhos do mundo” (Bento XVI, 64). Creio nisso firmemente: “o Senhor tem poder no céu e na terra. E só quem tem este poder todo é que tem o poder autêntico e redentor. Sem o céu, o poder terreno permanece sempre ambíguo e frágil. Somente o poder que se coloca sob a medida  e o juízo do céu – isto é, de Deus – pode tornar-se poder para o bem. E só o poder que se coloca sob a benção de Deus pode ser seguro” (Bento XVI, 49).Ao menos tenho procurado ser um político que cumpre a palavra dada, por isso busquei pautar-me pela coerência de vida, sendo fiel a Jesus Cristo, que, para mim, é convictamente o mestre dos Mestres e o paradigma da perfeição. Deixo hoje a Presidência desta Câmara Municipal, mas assumo com mais alegria e convicção o atendimento ao chamado vocacional do encargo permanente – até para depois da morte – de ser (apesar de tão grande pecador que sou) um fidedigno embaixador de Cristo, pois sei que Ele é compassivo e misericordioso e, acima de tudo, nosso único Senhor e Salvador.

Valeu a pena?

Fiquei realmente impactado com o nível agudo de maldade e mesquinharia na lógica do poder (do poder do mundo). Tive a expectativa e a esperança de encontrar aqui, especialmente entre os colegas vereadores, um relacionamento em que fosse possível experimentar a beleza e a força unitiva e salvífica da amizade, mas percebi, que o prevalece mesmo é uma terrível lógica de interesses imediatistas, e me vi em meio a muitos perigos justamente porque muitos desejaram que eu caísse em precipício e maculasse o meu mandato propositivo e generoso que busquei oferecer a todos. Mas esta grandeza de alma foi encontrando um tão grande número de obstáculos e de pressões como que querendo não apenas apequená-la, mas reduzi-la a muito mais que o mínimo de suas forças, até mesmo ao pó de suas possibilidades. Houve uma pedra no meio do caminho, e não tive como removê-la por minhas próprias forças. Lembrei-me então de Jesus quando, removeu a pedra do sepulcro em que estava Lázaro, chamando-o à vida ressurecta. Não é fácil, muitos talvez não entenderam a dimensão dessa missão, por isso se omitiram quando tinham que se unir para evitar a opressão, deixando-me sozinho no enfrentamento da Medusa. Mesmo assim não recuei o passo, cauteloso, mas sempre esperançoso do bem. Fizeram de tudo para me humilhar, implacável e impiedosamente, mas consegui, como disse há pouco, manter a fidelidade à missão evangelizadora. Este mandato foi mesmo uma luta pela defesa da vida, especialmente da vida desta Instituição, agrilhoada pelo mandonismo local, pelo clientelismo, populismo, e toda espécie de arcaísmos de uma política fossilizada como nos tempos da República Velha. Busquei uma abertura, um arejamento, mas os colegas vereadores acharam melhor ficar no comodismo, desmotivando-me a cada passo em busca das melhorias desejadas. Mas a pedra no meio do caminho foi descomunal, e se não pude removê-la, ao menos – sob a proteção de São Miguel Arcanjo – consegui não ser esmagado por ela, o que faltou muito pouco para um estrangulamento fatal. Para garantir a estabilidade da gestão (o cumprimento das obrigações cotidianas), tivemos que recuar o passo, pois a retaliação seria fulminante. Fui um Presidente de muitas iniciativas, é certo, como disse alguém, mas trabalhei incansavelmente cada dia por um mandato fecundo e edificante. Não quis entregar a Deus a moeda recebida, e todo este esforço foi por devolver a moeda multiplicada.  Acredito nisso: em dar vida, em cultivar a vida, em afirmar a coragem e a energia para o bem. Encerro então estas minhas palavras, com o mesmo verso do bardo português: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena!”

APONTAMENTOS SOBRE A CAMPANHA 2010

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OS TUBARÕES SOLTARAM ROJÕES E DERAM VIVAS A CHALITA!

Prof. Hermes Rodrigues Nery

Apontamentos da campanha eleitoral para deputado federal em 2010

Chego ao final de uma campanha eleitoral, que foi realmente uma empreitada para além das minhas forças.

Como fazer uma campanha deste porte, residindo talvez no menor dos municípios do Estado de São Paulo, incrustado nas montanhas da Serra da Mantiqueira? Com que recursos, com que meios?  Mas houve um imperativo. Não podia me omitir. A causa da vida urge! Os tomadores de decisão estão votando contra a dignidade da vida, contra a família, contra os princípios cristãos. Temos que nos mobilizar em defesa da vida. 

Aceitei atuar no campo legislativo não por ambição, mas pelo sentido da missão, especialmente a missão evangelizadora. A leitura da vida de São Luis, por Jacques Le Goff, inspirou-me o ideal do político cristão (capaz de heroísmo, renúncia e sacrifício por fidelidade ao projeto de Deus, sempre em vista a dimensão soteriológica da vida eterna. “Começamos aqui o que decidim os ser na eternidade). E também Thomas Morus, padroeiro dos políticos, mártir por não negar o primado de Pedro, o sucessor dos apóstolos. Das alturas azuis destas montanhas, li com grande proveito espiritual a vida de São Luis, pai de família exemplar, legislador notável e, acima de tudo, um rei cruzado.

Houve discernimento e aconselhamento, e coragem de me lançar numa campanha que foi uma façanha e tanto! 

Viagens de ônibus, dormindo em casas de família, uma cirurgia de apendicite, muito pouco recurso, um desinteresse enorme de muitos pela causa defendida: a causa da vida, da família, da Igreja e da Pátria. Mais fácil o ceticismo, o indiferentismo, as generalizações. Eu dizia que esta eleição era crucial para a vida da Igreja no Brasil, pois forças adversas ao cristianismo estão se estruturando e vão lançar seus dardos cada vez mais fortes contra os princípios e valores cristãos em nosso País. Mas vi claramente que a maior parte das pessoas hoje não se movem ma is por convicções, mas puramente por interesses imediatistas. Preferiram então a aparência, e faltou o discernimento.

 

 

Partilho aqui alguns fatos que me impactaram:

O que mais me chocou neste processo foi o alto índice de corrupção eleitoral e a constatação de que vivemos mesmo numa plutocracia, em que triunfa o cinismo e a demagogia. Espantou-me ver como o dinheiro se tornou ídolo, ídolo mesmo, cultuado, adorado enfim. Tudo por dinheiro! 

Logo no início da campanha, indicaram-me um empresário em São Paulo, que talvez pudesse me fazer uma doação para viabilizar as despesas de campanha. De cara, ele me perguntou: “Você tem noção de quanto você vai gastar em sua campanha?” E ficou mais de uma hora dizendo que eu iria precisar disso e daquilo, que se tratava de uma campanha muito cara, e que o conceito de democracia como oportunidades iguais para todos era uma falácia (pura retórica), pois o que prevalecia mesmo era o poder econômico. “Ganha quem tem para gastar”, era a sua tese. Muitos na campanha, não prestaram atenção ao que eu tinha a dizer, porque não havia aparato, nem mesmo assessoria. Um padre se surpreendeu de eu ter ido à sua casa, de ônibus. Fez questão de me acompanhar até o ponto. Quando me viu no ônibus lotado, junto ao povo, fez recomendações a um auxiliar próximo; “É melhor a gente apoiar o Chalita. Este não tem dinheiro!”

 

“Você foi bobo!” Afirmou um colega vereador. “Devia ter feito caixa dois como Presidente da Câmara. A maioria faz isso com gordas porcentagens, até mesmo com parte dos salários dos assessores de confiança. Honestidade não dá voto, meu amigo! Agora, como é que vai fazer campanha?”

Foi quando uma liderança de uma cidade próxima me telefonou dizendo que iria me apoiar e que tinha uma proposta a fazer. No dia seguinte, veio acompanhado de alguns assessores de um candidato a deputado estadual propondo uma dobrada com ele. “Do jeito que você está, se não dobrar com algum tubarão, não se elege!” E foi pragmático: “A gente fez um estudo e achamos que você pode conseguir uns mil votos. Isso nos interessa.” E prosseguiram dizendo que ofereciam trinta mil reais pela dobrada, porque tinham informações de que eu poderia realmente ter mais de mil votos na região. E disseram que no dia seguinte viriam me pegar e me levar para o escritório do tubarão, onde tudo seria resolvido. Eu teria o suporte financeiro para fazer uma campanha bem suced ida. “Sem dinheiro, você não ganha. Fé não enche barriga!” Um vereador soube da visita do assessor do magnata, e veio correndo falar comigo, dizendo que o homem tinha bala na agulha. Queria fazer parte do esquema. “Se te derem trinta mil, me arruma cinco e eu te consigo os mil votos, ‘do jeito profissional’, pois ele sabia como as coisas funcionam.”

Chegando em casa, a primeira coisa que fiz foi pesquisar no Google o perfil do candidato, e fiquei chocado com o que vi, principalmente com as várias denúncias em vídeos do youtube, de desvios de verbas, formação de caixa dois, compra de votos, etc. E ainda mais, o candidato estava indeferido pelo TRE, com vários processos na Justiça. Liguei imediatamente para um dos seus asseclas, para ele não vir, pois não tinha como fazer a tal “dobrada”, inclusive porque ele era de um partido que não estava na minha coligação. E expliquei que, pela lei, aquilo não podia ser feito, com risco de ser denunciado e ter impugnada a minha candidatura. Ao que o assessor me respondeu: “Deixa disso, Presidente, bobagem! Não vai acontecer nada, você não vai deixar de g anhar trinta mil reais por causa disso, vai?” Ao que tive de ser categórico: “Não dá!”.

Mesmo assim, no dia seguinte vieram pessoalmente em minha casa, prontos para me levar ao tubarão. Fomos a um restaurante aos pés da Pedra do Baú (nome que significa guardião) e reafirmei que não dava, porque ele estava indeferido, tinha processos nas costas e não era do partido da minha coligação. Então veio o clássico murro da mesa: “Ele fechou com 148 vereadores em todo o Estado de São Paulo. Como é que você vai fazer a sua campanha? Vai pagar mico, quebrar a cara e ter pouco voto. Veja bem! É campanha de grande porte. Nos interessa os mil votos que você pode ter, entende? E então? Vamos logo resolver isso. O que há, quer mais? Enquanto degustávamos uma truta com pinhão, prato típico da cidade, voltei a dizer que não dava. E eles insistiram: “Presidente, fique sossegado, temos bons advogados. Não há o que a gente não resolva. Olha! Para te tranqüilizar ainda mais: nossos advogados são da equipe da Dilma Roussef.” Aquilo foi fulminante. E encerramos a conversa, por ali: “Não dá!”

O colega vereador ficou inconformado com a recusa, e começou a sair vociferando impropérios, desqualificando-me junto a população. De que a campanha não ia decolar, de que eu ia quebrar a cara, e de que eles, sim, sabiam fazer a coisa. Irado, desgostoso, foi buscar outras opções. Dias depois, uma das lideranças locais trouxe um candidato a deputado federal, de helicóptero, na cidade, e no restaurante fecharam um negócio em torno de quarenta mil reais. Não demorou muito e a cidade foi invadida de banners por toda a parte, de um ilustre desconhecido, garotão bonito, que logo começou a fazer sucesso entre os jovens da praça principal. Banners, cavaletes, folhetos, só dava o garoto mimado na cidade. Nunca ninguém o havia visto por lá, mas o líde r local conseguira montar o esquema que queriam. E logo veio uma profusão de cavaletes nas calçadas das ruas e avenidas, que ficaram intransitáveis. “Ganhamos quarenta mil, vamos fazer mil votos e lhe ensinar uma lição! O nosso candidato agora vai ser o primeiro na lista, na cidade. Com dinheiro na mão, a gente transforma estrume em doce!”

Continuei a campanha com algumas poucas doações, utilizando meu salário para cobrir despesas emergenciais. E enquanto eu ia apresentando a causa da campanha, levando as pessoas à conscientização das questões em defesa da vida, na cidade, os cabos eleitorais dos “tubarões” promoviam churrascos, jogos de truco nos finais de semana, entrega de cestas básicas, cerveja liberada para o povo, etc. “Tem que ser assim, senão você morre na praia”.

E perguntei: “Vai trinta, quarenta mil reais nisso?” 
“Não! Respondeu o edil.

“Como assim?”

“Você vai precisar de dinheiro para a reta final, você entende? Especialmente para o dia da eleição.” E me explicou: “Vou ser prático e lhe explicar sucintamente o que acontece: escolhemos lideranças de bairro, que conhecem os mais vulneráveis, o pessoal que aceita qualquer negócio. No dia das eleições, conseguimos aí uns vinte, trinta carros particulares, que vão aos bairros da zona rural buscar eleitores. Em cada carro, vêm três, quatro, até cinco pessoas. E lá dentro, no trajeto das casas até a escola, aonde se vota, entregamos os envelopinhos, junto com a colinha, com dez, vinte e até trinta reais, dependendo da pessoa. Entendeu? Se não for desse jeito, meu amigo, você não ganha. Por isso o pessoal gasta uma nota em campanha, e muitos são reeleitos assim, cada vez mais aprimorando o esquema. Compra-se o voto em todo o País. Se você não fizer isso, vai pagar mico.”

Com uma equipe muito reduzida, consegui viajar por mais de doze municípios, muitos me reembolsando o transporte. Os poucos banners que obtive não foram suficientes para dar visibilidade à minha candidatura. Muitos, até o último dia, ficaram sem saber que eu era candidato, enquanto os tubarões fizeram uma propaganda bastante ostensiva e agressiva. Parte da correspondência com o material que ia pelo correio, ficou em casa, por falta de recurso. Não foi possível visitar todos os bairros, porque alguns funcionam como feudos. Uma das lideranças de um dos bairros mais populosos da zona rural, se desculpou dizendo que achava bonita a minha causa, mas ele havia sido “comprado” por um dos tubarões, porque tinha que terminar a reforma de sua casa. “Mas deixa aqui seus santinhos, que consigo uns votinhos p ara você lá!”

Na visitas em outras cidades, fiz deslocamentos de grandes distâncias, para reuniões com 10, 20 pessoas. “Olha! A gente tem conversado com o pessoal, mas eles vão votar mesmo no Chalita.” Religiosos chegaram a dizer: “A Igreja estará bem representada com o Chalita! Ele tem mais chance de nos ajudar em nossas ONGs. As nossas paróquias funcionam como ONG, você entende? Precisamos de recursos e o Chalita pode nos oferecer mais”.

Foi uma campanha difícil, dificílima. Devo levar alguns meses para pagar as dívidas. Os tubarões venceram, soltaram rojões. Deram vivas ao Chalita, ao Tiririca. E no começo da noite, um dos vereadores me ligou para me dar o resultado: “agora você viu como se ganha eleição? Fica aí com os teus votos limpos, pois nós é quem vamos para Brasília.”

 

PALAVRA DE AGRADECIMENTO

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Caríssimos amigos, 

 

Agradeço muitíssimo os 3.359 votos obtidos em 3 de outubro. Espero que os eleitores cobrem dos deputados eleitos um posicionamento claro e firme na defesa da vida e da família, valores pelos quais temos trabalhado e vamos continuar atuantes, com o sentido da missão.

Que Deus abençoe a todos!

Cordialmente,

Prof. Hermes Rodrigues Nery

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